
A Gaudium et Spes (n. 14-16) recorda que o ser humano foi criado por Deus em um estado de santidade e harmonia. No entanto, desde o início da história, ao ser seduzido pelo maligno, abusou de sua liberdade e voltou-se contra Deus, buscando sua realização longe d’Ele. A revelação bíblica afirma que, apesar de conhecer o Criador, a humanidade preferiu a criatura, desviando-se do bem e obscurecendo o próprio coração. Essa verdade teológica encontra confirmação na experiência humana: ao olhar para dentro de si, a pessoa descobre sua inclinação ao mal e reconhece que muitos dos males que realiza não podem ter origem em Deus, que é bom.
Essa ruptura interior faz com que o ser humano se desoriente, perdendo a direção do seu fim último e comprometendo também suas relações consigo mesmo, com os outros e com a criação. O pecado não é apenas um ato isolado, mas uma força desordenadora que afeta a totalidade da vida humana. A vontade enfraquece, os afetos se dividem, a consciência se confunde e a liberdade se torna vulnerável às seduções do mal. Assim, a pessoa percebe que a desobediência inicial abriu espaço para um desequilíbrio que continua a marcar a história.
A Gaudium et Spes descreve essa condição como uma verdadeira divisão interior. O ser humano vive uma luta constante entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, entre o que deseja e o que efetivamente realiza. Ele reconhece que, por suas forças, não consegue vencer sozinho o poder do pecado que o aprisiona. É como alguém que se vê amarrado por correntes que não consegue romper. Esse diagnóstico realista não busca condenar, mas revelar a necessidade de uma libertação que ultrapassa as forças humanas.
É nesse contexto que a revelação cristã anuncia a boa nova: o próprio Deus veio ao encontro da humanidade ferida. Em Jesus Cristo, o homem encontra a força e a liberdade que não poderia alcançar por si mesmo. Cristo, ao se oferecer por amor, lança fora o poder do maligno e renova o coração humano, restaurando sua capacidade de escolher o bem. O pecado diminui o homem, mas a graça o eleva; o mal escraviza, mas Cristo liberta; a escuridão confunde, mas a luz divina devolve sentido e direção.
Dessa forma, a grandeza e a miséria humanas encontram sua explicação última à luz do mistério do pecado e da redenção. O ser humano é, ao mesmo tempo, capaz das mais altas virtudes e vulnerável às mais profundas quedas. Contudo, essa condição não é motivo de desespero, mas um chamado à confiança em Deus, que oferece continuamente a graça para a reconstrução interior e para o amadurecimento moral e espiritual.
Pergunta para reflexão:
Como a consciência da própria fragilidade e da ação libertadora de Cristo pode transformar a maneira como você enfrenta suas lutas interiores e suas relações com os outros?
